No dia da mulher, ainda estou aqui falando sobre a Fernanda Torres

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Hoje, (8/03) , no dia Internacional da Mulher, quero fazer um desabafo sobre o Oscar.

Desde que o nome de Mikey Madsion foi pronunciado por Emma Stone, na noite de domingo (3), ao anunciar a vencedora do Oscar de melhor atriz, venho lutando com a crescente sensação de insatisfação dentro de mim. Busquei compreender o motivo de tanto incomodo e recorri ao meu método mais eficaz de extração: a escrita. Escrever me faz compreender meus sentimentos e só assim consegui enxergar o que havia de errado. Esse foi o resultado:

Tudo começou com aplausos de quase 10 minutos em Cannes e então nasceu uma curiosidade absurda de entender o por quê. Queria entender o que tanto causava comoção no maior festival de filmes da Europa e por que os brasileiros ainda não tinham tido a oportunidade de ver este filme sobre o Brasil no Brasil!

Quando anunciada a estreia aqui no país, eu demorei duas semanas para conseguir assistir. Fui sozinha. Tenho esse costume. Somente filmes da Marvel gosto de assistir acompanhada, porque sou de comentar durante os acontecimentos. Outros filmes gosto de apreciar comigo mesmo e interpretar à minha maneira.

Não foi preciso explicação para entender o início da epidemia de febre por Ainda Estou Aqui. Estava lá! Muito bem contado, muito bem dirigido e muito bem interpretado. Era a nossa história na grande tela de cinema.

Sim, nossa história. Marcas da Ditadura Militar seguem presentes no cotidiano de toda a população, mesmo que a gente não perceba. Eunice Paiva foi uma das muitas esposas, mães, irmãs, avós que nunca mais viu seu ente querido por conta do regime militar. Eunice é um caso entre tantos outros, mas Eunice teve força o suficiente para persistir e insistir; para fazer justiça à sua família e ter comprovação e o reconhecimento do Estado do que fizeram ao seu marido, Rubens Paiva.

A cena da sorveteria. Todos ao redor sorrindo e vivendo suas vidas, enquanto ela assistia, presa em seus pensamentos, provavelmente conturbados por tamanha injustiça, me tirou lágrimas. Doeu só de imaginar.

Quando o filme acabou, ninguém se mexeu na sala por uns bons segundos, mesmo com as luzes já acesas. Aquele processo de digerir, sabe? Não é fácil. Nunca ficou. E por duas horas, nós vimos o que Eunice lidou durante anos de sua vida. Sequer metade da dor delas fomos capazes de sentir, mas sentimentos uma fração. Graças a Fernanda Torres.

Grande Fernanda Torres!

Sua atuação cativou os festivais e estava conquistando seu país de origem à medida que cada nova sessão iniciava. Não demorou até a primeira indicação de destaque em uma premiação internacional, o Golden Globes (Globo de Ouro).

Um cenário improvável, apesar de tudo indicar sua possibilidade. Eu vi o filme, eu sabia do potencial da Nanda, mas não acreditava na premiação, porque eles costumam ser patriotas e, muitas vezes, xenofóbicos. Sem contar na quantidade de mulheres fabulosas também indicadas e já inúmeras vezes premiadas na mesma categoria ou similares àquela. Mas a esperança é a última que morre, ainda mais sendo brasileira.

Quando a narradora/comentarista inspirou com muita surpresa ao vivo, antes do anuncio, foram os 5 segundos mais longos da minha vida torcendo pelo Brasil! Eu não tinha entendido ali, mas não demorou muito para a EGOT Viola Davis anunciar.

Era de madrugada e eu estava gritando aos prantos na sala de casa. Já tínhamos perdido o prêmio mais provável (Melhor Filme de Língua Estrangeira), mas isso ficou em segundo plano, porque a Fernanda Torres estava prestes a subir no palco para aceitar nosso prêmio.

Quem vê de fora eu falando assim “nosso prêmio”, “perdemos”, “ganhamos”, tratando sempre num coletivo de pessoas, não entende que isso vai para muito além de Fernanda Torres ou Walter Salles. É o nosso Brasil! É a nossa história, eu falei logo ali em cima! Então era óbvio que a partir daí, durante todo o Award season nós iríamos nos convencer que a expectativa era a concretização de mais um sonho.

Montou-se um cronograma. Do GG ao Oscar, nós tínhamos uma missão: fazer muito barulho para chamar atenção. E se tem duas coisas que o brasileiro sabe fazer é se juntar por um bem maior em comum e linchar alguém pela internet. Horrível essa palavra, né? “Linchar”. Mas é a que melhor define, infelizmente.

Não teve um dia desde que a Fernanda Torres ganhou o GG de Best Actress que não se falou de Oscar! E foi uma longa caminhada. Todo dia um acontecimento diferente, todo dia uma previsão nova. Variety ganhou um sobrenome brasileiro e segurou nossas mãos até perto do fim. Quando começou a torcer contra, soltamos. Desativou-se um CPF. No entanto, outras grandes publicações se alinharam a nós, como o The New York Times cravando a vitória da Nanda dias antes da premiação.

Estávamos com os dedos no troféu, já bem perto de sentir aquela estatueta dourada em nossas mãos.

E aí veio o Oscar. Em pleno Carnaval, outra unanimidade de senso comum nosso. Um país inteiro, dedicado a 5 dias de folia, ganhamos uma outra razão: torcer pela Fernanda Torres.

A Fernanda Torres.

Percebe-se que o filme ficou em segundo plano outra vez, mesmo indicado em duas categorias, mas não por não nos importarmos, mas sim pelo contexto histórico que estávamos inseridos.

Há mais de 25 anos, ninguém menos que a mãe da própria Nanda foi indicada para a mesma categoria e foi esnobada pelos jurados. Fernanda Montenegro andou, para que tua filha pudesse correr e desfilar com muita classe naquele tapete vermelho. Nós estávamos entalados! Fernanda Montenegro é uma soberana atriz, que somos honrados de contemplar e vivenciar. Temos sortes da benção de tê-la brasileira, mas, muito mais que isso, somos sortudos por ela ter dado a luz a nossa nova heroína.

Fernanda Torres, a justiceira.

Ter ganhado o GG de Melhor atriz, triplicou nossas expectativas, então chegamos ao Oscar com muita sede, muita gana! E quando Penélope Cruz anunciou Ainda Estou Aqui como Melhor Filme Internacional, o país comemorou como deveria ter sido comemorado, sim. Nas ruas, em festas, com amigos ou familiares, abraçados a nossa unanimidade.

Eram 3 categorias. Vencemos 1.

Faltavam duas.

E apesar da imensa alegria por termos vivenciado um momento histórico para o país, nada se iguala ao desgostoso desprazer de ver a Emma Stone anunciando o nome da Mikey Madison. Posso falar por mim e pelo meu grupo de amigos, que a decepção estabeleceu um novo humor para a nossa noite. Um gosto amargo, horrível! Veja… Não ficamos decepcionados com a Fernanda Torres ou por causa do filme em si. Desses, o orgulho permanece altíssimo.

Acredito que tenha sido excesso de confiança. Tudo estava a nosso favor, já tínhamos ganhado da KSG semanas antes no X, Cynthia Erivo nem nos ameaçava tanto e, então, uma novata venceu. A Demi Moore era a candidata mais aceitável além da Nanda pelos brasileiros, por causa do apelo dela de nunca ter vencido um prêmio como melhor atriz e também por ter ganhado 3 prêmios seguidos antes do Oscar. E todo mundo está cansado de saber que o Oscar é imprevisível, por isso que uma brasileira ganhar pela primeira vez era a aposta certeira! Fizemos disso o nosso final de Copa do Mundo, que por sinal o último título foi há mais de 20 anos.

A última chance era justamente a categoria que veio depois, mas, por Fernanda não ter vencido, já descartamos antes mesmo do anúncio de Anora.

Nisso, os créditos nem começaram a subir e já tinha amigo indo embora. Foi quando uma enxurrada de pensamentos começou a preencher a minha mente e meus dedos começaram a esboçar esse texto. Precisava do meu espaço para digerir aquele sentimento e, enfim, entendi.

Eu estou muito orgulhosa da Fernanda Torres, muito orgulhosa do Walter Salles e de todo o elenco de Ainda Estou Aqui. Estou orgulhosa de uma produção brasileira ter sido reconhecida na mais renomada premiação de cinema conhecida. Tenho orgulho de onde o Brasil pode chegar, indo cada vez mais longe com o incentivo a cultura, a arte, a educação, ao esperto, aos próprios brasileiros! E além de tudo, ainda sou grata. Temos um Oscar! Temos um Golden Globe, um Satellite, entre outros prêmios. Foram diversas indicações em tantas outras premiações, que merecem ser enaltecidas também. De milhares de produções nacionais que mereciam reconhecimento mundial, Ainda Estou Aqui abre uma porta para isso. Agora o mundo está vendo do que os brasileiros são capazes. E, apesar do triste contexto histórico, se não fosse pela garra de Eunice Paiva, quem poderia dizer que em 2025 estaríamos recebendo um prêmio desse porte?

Foi graças a essa mulher! Guerreira, como tantas outras. Um símbolo! Não poderia ser diferente.

Parabéns a todas as mulheres desse meu Brasil (e do mundo também). Nós somos incríveis! Somos potências. Somos amor. Somos resiliência. Somos guerreiras e lutadoras! Somos tudo que quisermos ser! Que orgulho desta data, que orgulho de ser uma mulher.

De todas as batalhas, a mais significativa e importante é persistir na relevância e na inquestionável importância deste dia. 08 de março é para ser comemorado, sim, mas para além disso lembrarmos da constante luta das mulheres pela igualdade de gênero, respeito intelectual e da nossa integridade também.

E para A Fernanda Torres: muito obrigada por ter escolhido a arte. Você é uma heroína. Se um dia eu chegar perto de ser uma escritora tão talentosa quanto você, vou ficar muito mais feliz do que já sou hoje por realizar o meu sonho.

PS: Parabéns para a Mickey Madison!

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